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Entrevista com Rildo Cosson

ENTREVISTA – RILDO COSSON (Novembro  2012 – via e-mail)


O  grupo de alunos do PIBID-Português, turma 2012-2013, da Universidade Estadual do Norte do Paraná,  campus  de Cornélio Procópio,  entrevista  o Prof. Dr.  Rildo Cosson, autor do livro Letramento literário:  teoria e prática, uma das principais  bibliografias  do projeto,  com base em alguns questionamentos levantados durante discussões de estudo.

Rildo Cosson concluiu o doutorado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1998 e realizou pós-doutoramento em Educação pela Universidade  Federal de Minas Gerais em 2007. Foi professor da Universidade Federal do Acre, Universidade Federal de Pelotas e Universidade Federal de Minas Gerais atuando na graduação e pós-graduação em Letras e Educação. É autor dos livros  Escolas do Legislativo,  Escolas de Democracia  (2008),  Fronteiras Contaminadas  -  Literatura como jornalismo e jornalismo como literatura no Brasil dos anos 1970 (2007),  Letramento literário: teoria e prática  (2006),  O livro e o gênero  (2002),  Romance-Reportagem  (2001). Tem organizado  livros, publicado artigos e participado em congressos nacionais e internacionais sobre letramento político e letramento literário. Atualmente é professor do Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor) da Câmara dos Deputados e pesquisador do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Faculdade de Educação da UFMG.

Alunos PIBID 2012-2013 (PIBID): Em seu livro Letramento literário: teoria e prática, há a preocupação com a formação de uma comunidade de leitores. Qual é a sua definição para esta expressão? Seria o mesmo afirmar que há a preocupação com a formação de leitores?

Rildo Cosson (Cosson): As ideias são bem próximas, mas há diferenças a se considerar. A formação de leitores é uma atividade pedagógica, um processo de aprendizagem, independentemente de ser realizado de maneira formal na escola ou por meio de esforço próprio do indivíduo, como se conhece o caso dos autodidatas. Já uma comunidade de leitores é um espaço de compartilhamento de textos, sentidos, conceitos, práticas e tudo o mais que nos constitui como leitores dentro daquele espaço. Dessa maneira, é possível dizer que um leitor se forma participando de várias comunidades de leitores.

(PIBID): De modo geral, como é o ensino da literatura nas escolas, hoje?

Cosson: Essa é um pergunta difícil de responder, uma vez que as condições de ensino nas diversas regiões brasileiras são diversas. Mesmo em uma única cidade, as escolas privadas não funcionam do mesmo jeito que as públicas e as escolas da periferia nem sempre têm os mesmos recursos das escolas mais tradicionais e assim por diante. Todavia, percebo que houve certo avanço em relação a práticas do passado, sobretudo nas escolas do ensino fundamental. Em muitas escolas dos anos iniciais, por exemplo, há programas de leituras e os professores dedicam parte de suas horas em sala de aula para atividades com obras literárias. O ensino médio é, talvez, o ponto mais sensível nesse processo de mudança, quer do ponto de vista de formação do professor (boa parte das faculdades de Letras do País não se preocupa com o ensino de literatura), quer na perspectiva dos conteúdos e metodologias, que ainda continuam presos aos limites dos livros didáticos e a uma leitura essencialmente historiográfica da literatura.

(PIBID): No ensaio “A prática de letramento literário na sala de aula” (2011), você se refere ao apagamento da literatura nas escolas. Para você, a que se deve esse apagamento?

Cosson: Há várias razões que se somam. Algumas mais antigas como o esgotamento de uma tradição de formação literária. Outras mais recentes e pontuais como a questão do cânone. Escrevi mais longamente sobre o assunto em um texto chamado justamente O apagamento da literatura na escola (v. COSSON, Rildo. O apagamento da literatura na escola. Investigações – Linguística e Teoria literária, v. 15, jul. 2002) e depois retomei a questão em um outro texto feito para o MEC (COSSON, Rildo. O espaço da literatura na sala de aula. In: PAIVA, Aparecida et al. Literatura: ensino fundamental. Brasília: MEC – SEB, 2010).

(PIBID): No seu livro Letramento literário: teoria e prática, você propõe a combinação de três critérios para a seleção das obras literárias: a adoção do cânone literário, de obras contemporâneas e atuais, bem como o uso de gêneros literários diversos. Nesse sentido, podemos afirmar que os critérios para a literatura infantil e/ou juvenil são os mesmos? Em caso afirmativo, haveria um cânone para essas obras?

Cosson: Na verdade, proponho como critério de seleção que os textos sejam literários, independentemente de pertencerem ao cânone ou qualquer outra forma de ordenamento, daí a diversidade que não é apenas de gêneros, mas também de representações, temáticas, graus de dificuldade do texto e daí por diante. Os critérios de seleção são para o texto literário, qualquer que seja o adjetivo que o acompanhe.
Quanto à literatura infantil e juvenil, há um cânone sim, mesmo que ele não seja amplamente conhecido, seja contestado ou se diga em processo de formação. No Brasil, há obras e autores de literatura infantil e juvenil amplamente consagrados, veja o exemplo de Monteiro Lobato, Ana Maria Machado e Lygia Bojunga Nunes para citar alguns nomes de uma lista que já não é pequena.


(PIBID): Pensando na carga horária da disciplina de Língua Portuguesa na escola (o que inclui a Literatura no Ensino Básico e Médio), que em alguns casos é de apenas duas aulas semanais, é possível adotar a sua proposta metodológica? Explique.

Cosson: Acredito que sim. Neste caso, precisamos distinguir tempo de sala de aula de tempo de estudo. Uma boa parte do que se propõe pode e deve ser feito fora da sala de aula sem prejuízo algum. O momento das aulas deveria ser reservado para o diálogo entre professor e alunos, alunos e alunos. As dificuldades que se enfrentam aí são a realização de um planejamento cuidadoso da parte do professor e a conscientização dos alunos de que sua formação não se restringe ao tempo da sala de aula, nem mesmo ao tempo que passa na escola.

(PIBID): Por que, apesar de o letramento literário propor avaliações em diferentes momentos do processo de leitura, há ainda motivos que levam os professores a não aderirem a essa proposta? Haverá ainda, por parte deles, um certo ranço do ensino tradicional que leva em consideração apenas uma única avaliação?

Cosson: Imagino que os professores, até mesmo por injunções da burocracia escolar, só formalizem uma única avaliação, mas façam as outras avaliações durante o processo. O importante neste caso não é a “nota” que se obtém dessa avaliação, mas sim as observações e alterações de rota que o professor faz devido a suas observações e ponderações durante o processo de leitura.


(PIBID): No ensaio “A prática de letramento literário na sala de aula” (2011), você enumera três desafios que precisam ser rompidos para a efetivação do letramento literário. Existiriam outros, além dos apresentados?

Cosson: Infelizmente, sim. Há desafios bem mais amplos advindos da própria forma como a escola se organiza, com seus tempos e estruturas curriculares. Há desafios materiais como a dificuldade de acesso a certos textos, a ausência de bibliotecas, etc. Há desafios ligados à formação do docente que não recebeu uma preparação para a escolarização adequada da literatura. Há desafios sociais como o lugar que a literatura ocupa como manifestação cultural e daí por diante. A lista pode ser quase infindável se formos verificar todos os possíveis entraves para se efetivar um letramento literário pleno, mas o que é mais relevante é que podemos fazer mesmo diante de nossas limitações, o quanto podemos contribuir. Graça Paulino e eu procuramos discutir um pouco essa questão em um texto em que buscamos entender como funciona o letramento literário para além da escola (PAULINO, Graça; COSSON, Rildo. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In: RÖSING, Tânia M.K; ZILBERNAM, Regina (Orgs.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009).

Comentários

  1. Rildo, muito obrigada pela atenção. Tenho certeza que suas respostas ajudarão bastante a condução das discussões sobre o letramento literário.
    Profª. Eliana Merlin D. de Barros

    ResponderExcluir
  2. Prezados "pibidianos", as respostas do Rildo instigam a outras reflexões sobre a literatura em sala de aula. Registrem seus questionamentos, dúvidas e reflexões!

    Prof. Thiago

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  3. Questões esclarecedoras e instigadoras para nossa reflexão na ação em 2013!!!
    O processo de levantamento e escolha das obras para o trabalho na sala de aula em 2013 feito pelos alunos e por nós foi uma forma de conhecer melhor esse "cânone" da Literatura Juvenil.
    Agora é hora de ler, escrever e colocar em ação essas ideias...

    Obrigada ao Cosson pela excelente contribuição ao nosso grupo.

    Professora Helena - Colégio André Seugling

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  4. Concordo com a professora Helena, as perguntas esclarecidas por Cosson, nos auxiliará para que em 2013 possamos realizar um belo trabalho nas escolas.Obrigada Cosson!

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  5. Os comentários do Dr. Rildo Cosson nos mostram, mais uma vez, a importância de se adotar uma metodologia e de ter uma planejamento muito bem elaborado para o trabalho com literatura.

    2013 nos aguarda!

    Professora Ana Maria - Colégio André Seugling

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